Blog do Sarico

A história do cinema em Tapera


Dia desses, conversando com alguns amigos, lembramos de algumas coisas e fatos relacionados ao passado de Tapera (RS), entre os quais o Cine Avenida, o que me fez lembrar de muitas coisas sobre ele.

Nos anos 1930, o Ângelo Beux, de posse de um projetor e de filmes da época, mudos e P&B, começou a exibi-los, naquilo que chamavam de cinema familiar, no Salão Junges, que anos mais tarde viria a se tornar o Clube Aliança, ali na esquina das avenidas XV de Novembro e Dionísio Lothário Chassot.

Como a procura era grande, pois não havia atrativo no vilarejo que pertenceu primeiro a Passo Fundo e depois a Carazinho, anos mais tarde o Ângelo construiu um casarão na atual Avenida XV de Novembro, em frente à casa e consultório odontológico de Dionísio Lothário Chassot, que anos depois viria a se tornar o primeiro prefeito de Tapera.

Quando o Ângelo construiu o casarão para instalar o cinema, Tapera não tinha luz elétrica, por isso ele instalou um motor a gás pobre que gerava luz para o pequeno povoado, das 06h30 às 23h30.

No dia 06 de setembro de 1939, deu um problema no gerador do Ângelo e ao tentar consertá-lo em uma oficina da vila, o mesmo acabou pegando fogo. Apavorado, ele pegou o primeiro vasilhame que viu à sua frente e jogou o seu líquido sobre o equipamento achando ser água. Não era, mas gasolina. Ele sofreu graves queimaduras e acabou falecendo três dias depois devido a elas.

Em 1953, João Maximiliano Batistella, que anos mais tarde viria a ser vereador e prefeito do município por três vezes, comprou o cinema da família Beux.

Naquele casarão, onde hoje está o prédio que abriga a Farmácia Essência e a Loja Andriolli, na Avenida XV de Novembro, havia duas salas ao lado da entrada. Na da direita, ficava o depósito do cinema, e na da esquerda, a barbearia do Lothari Junges, que encerrou as suas atividades após mais de 80 anos de trabalho, tendo começado no prédio do Cine Avenida e encerrado em uma peça na casa de Dionísio Lothário Chassot.

Em 1955, o Gentil Batistella assumiu o Cinema Avenida, e em 1978, o transferiu para a Rua Rui Barbosa, no prédio onde está hoje a JP Materiais de Construção. E em 1984, devido à concorrência da televisão, mas mais especialmente dos videocassetes, os de duas e quatro cabeças “importados” do Paraguai, teve de fechar as portas por falta de clientela.

Eu perdi a conta das vezes que fui ao cinema do Gentil, nos dois endereços, nas sextas, sábados e domingos, num aquecimento para a noite, apesar de naqueles anos não se ter tanta promoção como se tem hoje em dia.

Lembro que, quando menino, e o cinema ficava na Avenida, a gente ia até ele e depois passava no Café Diana para comprar picolé e sorvete, delícias fabricadas pelo Arno e a Nena Presser. E depois íamos brincar imitando o filme visto no depósito de materiais de construção da Loja Maldaner, que ficava ali onde está a Farmácia São João.

Anos mais tarde, nos domingos à noite, depois da sessão, a parada era no cachorrão do Sabino, que ficava ali onde está o Skina Lanches. A gente comia ligeiro para ir para casa assistir os gols no Fantástico.

Assisti muitos filmes bons aqui em Tapera, alguns sucessos internacionais de bilheteria, mesmo anos após o seu lançamento. Mas, o que importava era ver o filme que havia sido mencionado na tevê e nos jornais de Porto Alegre, Zero Hora e Folha da Manhã, que mais tarde virou Correio do Povo. Para se ter uma ideia, o filme “Tubarão” foi lançado em 1975 e eu o assisti aqui em 1980. Imagina… Hoje, você assiste os lançamentos no dia seguinte, onde quiser.

Do cinema do Gentil, o que mais me marcou era quando arrebentava a fita, devido ao calor do projetor e o estado de conservação dos filmes que já haviam rodado por muitos cinemas. E quando ele arrebentava o pessoal começava a gritar, a bater com os pés nas cadeiras e a atirar balas – aquelas verdes, azedinhas duras, da Soberana – na tela fazendo grande barulho, o que provocava a ira do Gentil e do projetista “Bodão”, o Abrelino Püttow, ambos já falecidos, que ligavam as luzes e vinham correndo para a sala para conter os desordeiros, que em segundos se transformavam em anjos.

Certa vez, lá na sorveteria que o Gentil tinha, ali na Rua Duque de Caxias, ao lado da agora CEF, eu trabalhando na antiga Rádio Gazeta, nos anos 1980, ele me pediu quem eram os bagunceiros do cinema. Eu me fiz de bobo e o enrolei, mas ele acabou enumerando todos e ainda me disse: “Inclusive tu, Sarico.Tu era uma praga”. Rimos muito naquele dia.

Uma outra vez, numa festa no Clube Aliança, encontrei o Bodão no toalete, que me disse: “Sarico, tu tem ideia do quanto tu incomodava no cinema?”, se referindo a estes episódios. Nos jogos de futebol que ele apitava, quando nos encontrávamos ele olhava para mim e ria, com certeza lembrando de tudo aquilo.

E falando no Bodão, ainda tinha gente que via ele, pela janelinha, com uma tesoura cortando o filme, de propósito. Que maldade. Nós falávamos isso para ele e ele enlouquecia, brigava. Foi uma grande pessoa.

Que lembranças boas tenho dos tempos do cinema aqui em Tapera. Nos dois endereços. Hoje em dia, tudo aquilo que se buscava temos em mãos a qualquer momento, sem sair de casa. E naquele tempo sequer sonhávamos com o que temos hoje.



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Responder Anônimo (1723201016353-673874) Cancelar resposta


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