Blog do Sarico

Um olhar sobre o “PL das Fake News” *


O Projeto de Lei nº 2.630, conhecido como “PL das Fake News”, é uma proposição legislativa de 2020 e está tramitando na Câmara dos Deputados há três anos, sofrendo constantes atualizações em seu texto. Ele institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, “destinada a estabelecer normas e mecanismos de transparência para provedores de redes sociais, ferramentas de busca, serviços de mensageria instantânea, assim como diretrizes para seu uso”.

A ideia inicial era a de que o Projeto de Lei (PL) fosse um instrumento para coibir a desinformação na internet, mas, com as emendas feitas em seu texto, ele passou a abarcar a ideia de regulamentação das plataformas digitais, com o objetivo de responsabilizá-las por hospedar conteúdos ilícitos em seu domínio.

Esse PL voltou à tona, agora em abril, após a série de ameaças e de ataques violentos que vinha ocorrendo em escolas brasileiras. Isso porque todos esses atos foram planejados e incentivados por meio das redes sociais. Então, o Legislativo viu a necessidade de regulamentar essa questão, pois as plataformas digitais não estavam removendo esses conteúdos violentos da rede, fazendo com que mais internautas – principalmente, crianças e adolescentes – tivessem acesso a eles, aumentando, assim, as chances de novas tragédias acontecerem.

* Eu sei que esse PL gerou polarização na sociedade – como sempre – mas fui atrás, pesquisei e conversei com especialistas no assunto, que me fizeram entender como funciona a lógica das plataformas digitais. Talvez, esse texto que você está lendo fique um pouco longo, então, se você não tiver interesse/paciência de lê-lo, fique à vontade para ignorá-lo.

Então, é o seguinte: as grandes empresas de tecnologia (as chamadas “big techs”), como o Google (que é dona do YouTube) e a Meta (que é dona do Facebook, do Instagram, do WhatsApp e do Messenger) lucram bilhões com os dados de seus usuários, que são coletados em suas plataformas e vendidos para anunciantes. Nós não pagamos financeiramente para utilizar as redes sociais, mas, em contrapartida, cedemos os nossos dados pessoais e de navegação, que são utilizados para as empresas direcionarem anúncios para os internautas.

Quanto mais dados os sites e os aplicativos coletam da gente, mais eles nos conhecem e, portanto, maiores são as chances de nos direcionarem anúncios personalizados, incentivando-nos ao consumo. Ou seja, essas plataformas possuem tantas informações ao nosso respeito, as quais são cedidas involuntariamente por nós, quando utilizamos as redes sociais (ou até mesmo sites de compras), que elas são capazes de conhecer a nós, mais do que a nós mesmos.

Por conta disso, o objetivo das big techs é o seguinte: que fiquemos o maior tempo possível em suas plataformas, porque, assim, elas vão coletando os nossos dados e lucrando em cima deles. E as redes sociais são projetadas para disponibilizarem conteúdos de forma infinita, para que passemos horas e horas usufruindo delas. Enquanto isso, as empresas vão fazendo o seu trabalho, sem que percebamos…

Então, por essa lógica, as big techs lucram com conteúdos que possuem alto engajamento (que tenham inúmeras curtidas, comentários, visualizações, compartilhamentos). Assim sendo, elas não possuem interesse em remover da rede um conteúdo que esteja lhe rendendo lucro, certo?

E é exatamente isso o que acontece com conteúdos ilícitos, violentos, impróprios e violadores de direitos de terceiros: eles não são tirados de circulação, nas redes sociais, porque eles rendem “monetização” (lucro) às big techs.

Nessa perspectiva, não posso deixar de destacar um ponto importante: sabe os termos de serviço das redes sociais, com os quais concordamos quando registramos nossa conta nelas? A maioria deles prevê a proibição de os usuários postarem conteúdos ilícitos, violentos, impróprios (como terrorismo, assassinato, tráfico de drogas, etc.), havendo a possibilidade de as próprias plataformas removerem ou reduzirem o alcance desses posts, por conta própria e sem dar qualquer satisfação aos seus usuários.

Isso faz parte da chamada “moderação de conteúdos”, que, em tese, existe para deixar o ambiente digital mais agradável e atrativo aos seus usuários, porque ninguém merece ficar se deparando com postagens sensíveis, que nos despertam medo, nojo ou qualquer tipo de gatilho emocional.

Só que, normalmente, isso não é feito. É como se esses termos de uso fossem uma “fachada”, para que as plataformas demonstrem estar preocupadas com a proteção dos direitos de seus “clientes”, criando um ambiente agradável para eles usufruírem – quando, na verdade, o que elas querem é, tão somente, lucro.

Então, que fique claro: as próprias plataformas possuem a legitimidade para remover ou reduzir o alcance de postagens de qualquer usuário, com base em seus termos de uso, porque elas são empresas privadas e conduzem o seu negócio da melhor maneira que entenderem. Ou seja: elas próprias se regulam e decidem as regras e dinâmicas internas – que são pouco transparentes; os usuários não têm conhecimento de como isso tudo ocorre, na prática.

A partir dessa conduta opaca das big techs, em não demonstrar como funciona a dinâmica da moderação das postagens dos usuários de suas plataformas, e sabendo que isso afeta os direitos das pessoas, Estados Unidos e Alemanha adotaram leis para regulamentar a atuação dessas gigantes da tecnologia, em seu território, exigindo maior transparência em sua atuação e proteção aos direitos de seus internautas.

E é justamente isso que o Legislativo brasileiro está propondo, com o PL 2.630/2020: regulamentar a atuação das plataformas digitais aqui no país, para que elas se comprometam em ser mais transparentes e fiéis aos seus mecanismos de moderação de conteúdos, removendo ou reduzindo o alcance de postagens que possam vir a representar algum risco à sociedade – como foi o caso dos conteúdos envolvendo o planejamento dos ataques, nas escolas brasileiras.

Portanto, o PL não prevê a intervenção do Estado (Executivo e Judiciário, principalmente) nas dinâmicas internas de moderação de conteúdos das plataformas. Se aprovada, a lei apenas irá prever sanções às big techs, quando não tomarem medidas para proteger os direitos das pessoas (sobretudo, de crianças e adolescentes), mantendo em seu domínio, por exemplo, postagens hostis e ilícitas.

Logo, entendo que o PL não se trata do “PL da censura”, como estão dizendo por aí, porque não haverá intervenção do Estado nas redes sociais – e só podemos falar em censura quando o Estado impede, direta e previamente, algum tipo de expressão.

Entendo, portanto, que não há o que temer com o PL, pois as big techs não podem lucrar às custas de nossos direitos, “pintando e bordando”, sem qualquer tipo de regulamentação.

E, assim como no mundo real, a internet não é uma terra sem lei, em que se pode agir de forma inconsequente, sem qualquer tipo de responsabilidade. Nem nós, nem as gigantes da tecnologia – que tanto influenciam os rumos da nossa sociedade.



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