Blog do Sarico

A mulher da casa abandonada


Nos últimos dias, muito tem se falado, nas redes, sobre o podcast “A Mulher da Casa Abandonada”, do jornalista Chico Felitti – premiado por suas produções, especialmente, no âmbito literário.

Segundo ele, o que era para ser um podcast sobre a solidão e os estigmas da velhice – ao ver uma mulher de uns 60 anos, com o rosto totalmente coberto por uma pasta branca, brigando com funcionários da prefeitura de São Paulo que estavam podando uma árvore na sua rua, no bairro Higienópolis, na véspera de Natal – deu lugar à abordagem de uma história verídica de um crime, quando o jornalista tomou conhecimento de que, na realidade, aquela idosa era uma foragida do FBI, por ter escravizado a sua empregada doméstica, durante vinte anos, nos Estados Unidos.

Não vou me deter a contar toda a história aqui, então, se você tiver interesse em saber todos os seus desdobramentos, é só clicar no link a seguir (ou ouvir na plataforma de reprodução de áudio de sua preferência), para ter acesso a todos os episódios, que são lançados todas as quartas-feiras (até o dia 20 de julho):

O que eu pretendo comentar a respeito desse podcast é sobre a importância do jornalismo em denunciar os problemas que rondam nossa sociedade – principalmente, aqueles que estão ocultos, dos quais, sequer, fazemos ideia da existência, como é o caso de pessoas exercendo trabalho análogo à escravidão.

Digo isso porque, segundo o Chico Felitti, desde o lançamento do podcast, as autoridades competentes estão recebendo inúmeras denúncias de situações de trabalhadores que estão sendo submetidos a condições de trabalho análogas à escravidão. E os casos que mais chamam atenção são os de exploração do trabalho doméstico, pois a sociedade convive com as vítimas desse crime (pois elas não estão isoladas ou em cárcere privado: elas circulam pelos mesmos espaços que nós, vivendo uma vida “aparentemente” normal), sem ter a menor ideia de que essas pessoas estão passando por uma situação completamente desumana.

Para ilustrar essa conjuntura, por exemplo, a brasileira vítima da “Mulher da Casa Abandonada”, nos EUA, prestava serviços aos patrões praticamente 24 horas por dia, sem ter folga; recebia apenas uns “trocados” de salário, para comprar alguma comida – pois, pasme: ela era privada de consumir os alimentos da residência, já que a geladeira era trancada por um cadeado. E, além de tudo, ela estava muito doente e os patrões se omitiram quanto a isso, negando-lhe acesso a atendimento médico. E isso que ela era considerada “como se fosse da família” – imagina, então, se não fosse.

A escravidão é uma triste e vergonhosa marca da história do Brasil – e, infelizmente, ela ainda não foi superada, tendo em vista todas essas barbaridades de que se tem notícia hoje em dia, em que trabalhadores são tratados como “coisas”, tendo o seu trabalho explorado, sem qualquer dignidade.

Então, a produção do Chico Felitti é extremamente elogiável – e de muita coragem –pois, mesmo que o caso da “Mulher da Casa Abandonada” tenha “caído no seu colo”, de forma despretensiosa, mudando os rumos da história que ele pretendia contar em seu podcast, ele abraçou a pauta da escravidão moderna – um assunto oculto, velado – e foi em frente, dando voz a vítimas desses crimes e concedendo uma visibilidade importantíssima a essa temática, que merece ser discutida e divulgada, a fim de evitar que esses casos se repitam e se perpetuem.

Mais uma vez, é o jornalismo cumprindo o seu papel social, de denúncia e de tentativa de transformação da realidade.



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