Blog do Sarico

O sequestro de José Baggio e a tomada de Tapera


O médico taperense Anildo Sarturi, radicado em Porto Alegre, ainda em vida, publicou uma série de fatos acontecidos em Tapera e que foram por ele testemunhados na sua infância e juventude em Tapera. De posse de alguns deles, recebidos do Nadir Crestani, vou aqui reproduzir alguns. E a primeira é esta:

O SEQUESTRO DE JOSÉ BAGGIO E A TOMADA DE TAPERA

Na fase constitucionalista de 1932, aconteceu um fato político inusitado, de suma gravidade, que abalou os alicerces da pacata população da Vila Tapera. O líder político local, José Baggio, fora sequestrado e conduzido aos arredores do povoado onde sofreu uma tremenda surra, tendo sido encontrado seriamente ferido, sem sentidos, nas imediações da vila, com hematomas generalizados pelo corpo.

Estranhamente, poucos dias depois, chegou à vila um grupo de 15 homens, a cavalo, chefiados pelo “doutor” Barnabé (nome fictício, por preservação), que residia em Espumoso, e desfilou pelas ruas de Tapera. Todos carregavam fuzis e revólver na cintura. Era um piquete de cavalarianos constitucionalistas que anunciava vir tomar Tapera. A população amedrontada não entendia direito o que estava acontecendo. Depois do desfile pelas duas ruas paralelas da vila (atuais Avenida XV de Novembro e Rui Barbosa), os revolucionários amarraram seus cavalos ao redor da praça e dirigiram-se ao quiosque situado no meio dela. Encheram a pequena sala do bar e ajeitaram as mesas, colocando a principal afastada, para que o referido “doutor” presidisse os trabalhos de tomada. Em seguida, mandaram buscar o subprefeito Aloisio Stein, conhecido pela alcunha “Florzinha”. Este compareceu escoltado e sentou-se ao lado da mesa da “presidência”, com muita tranquilidade, sorriso irônico nos lábios, entre os quais fumegava um charuto. No meio de inflamado discurso, a estridente voz de comando do “doutor” Barnabé, conhecido rábula do vizinho distrito de Espumoso, mandou lavrar a ata da tomada de Tapera pelas forças revolucionárias constitucionalistas daquele município. O livro de atas foi arrebanhado da loja de Hubertus Lambert, que também se encontrava ali, de pé, pálido e louco de medo.

“Florzinha” rebolava o charuto na boca, aparentando calma extraordinária, o que parecia irritar o chefete. Assinou, sem protesto, a ata redigida por um semianalfabeto. O “doutor” Barnabé, como português nato que era, depois de assinada a ata da posse de Tapera, não podia deixar de se pronunciar, com seu sotaque característico, ruidoso e empolgante discurso. Eu espiava, do lado de fora da janela do quiosque, descalço, tremendo de medo dessa gente armada até os dentes. Não houve nenhuma reação de nenhum morador da vila. Todos estavam mudos, ninguém protestou, nem mesmo o subprefeito disse qualquer palavra. Sorria apenas, um sorriso amarelo diante das intempestivas ordens emanadas do conhecido “doutor”, que disse ao final de exaltado discurso: “Os inimigos da Revolução Constitucionalista não serão perdoados. Apanharão, um por um, e lhe daremos a lição merecida”.

Eis que, ao final da cômica reunião da tomada de Tapera, entra apressadamente na saleta circular do quiosque, um dos elementos do grupo, de bombacha, botas, chapéu de cowboy na mão e cochicha ao pé do ouvido do “doutor” Barnabé, informando-lhe de que forças legalistas de Carazinho haviam sido avisadas, pelo telefone, que um piquete de Espumoso invadira a sede do distrito de Tapera, e que essas forças do Governo já haviam saído do município-mãe e vinham para um confronto com o piquete invasor. Armou-se, repentinamente, uma tempestade no meio das hostes revolucionárias espumosenses, exatamente no fim da lavratura da ata que oficializava a queda de Tapera. Deste momento em diante, viu-se uma correria que pareciam ratos espantados, pois o contingente que vinha de Carazinho era formado por cinquenta soldados, armados de fuzis e metralhadoras.

Os revolucionários do “doutor” Barnabé levantaram-se rapidamente das cadeiras, apanharam o livro de atas e sem falar mais nada, se dirigiram todos, um por um, aos cavalos atados em palanques e cinamomos ao longo da praça. Montaram rapidamente neles e dispararam a galope em direção a Espumoso. Parecia um bando de medrosos fugitivos.

E assim terminou, como verdadeira farsa, a celebre conquista pelas forças constitucionalistas de 1932, de nossa pacífica e querida Tapera.



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